sábado, fevereiro 02, 2008

Há 100 Anos Um Drama Português [3/3] - A Derrota Póstuma do Rei D.Carlos

Os acontecimentos que se seguiram imediatamente ao regicídio e as consequências funestas que deles resultaram foram obra dos monárquicos que se opunham à obra de modernização do Rei. Como se verá, D.Carlos morreu em vão.

(Foto de D.Carlos obtida neste link)

D.Amélia afasta João Franco por um decreto de demissão assinado pelo filho, o agora Rei D.Manuel II. O novo Governo é uma coligação de 'acalmação' composta  por ministros dos dois Partidos do rotativismo, os mesmos que protagonizaram o atoleiro político a que D.Carlos tentara pôr fim. São afastados deste acordo todos os monárquicos que pudessem representar quebras de vícios antigos - regeneradores-liberais, dissidentes-progressistas, nacionalistas. Para Primeiro-Ministro é nomeado Ferreira do Amaral, não se conhecendo que qualidades pudesse ele ter para chefiar um Governo.

O afastamento de João Franco e o regresso às formulas estafadas foram a derrota póstuma de D.Carlos, da sua força para empreender a mudança e da sua coragem para arcar com as dificuldades inerentes. É neste ato de fraqueza que o regime fica condenado, não no assassinato do Rei. Os implicados na tentativa de golpe de 28 de Janeiro são amnistiados e libertados. O processo judicial do regicídio arrasta-se por medo de melindrar a sensibilidade dos republicanos. O que sobra da Monarquia portuguesa está agora entregue aos costumeiros políticos incompetentes e sem coragem, gente que não assume divergências, nem roturas, nem mudanças que fazem avançar. Estes políticos e governantes têm apenas um objetivo e uma estratégia: manter-se à tona da vida política através do apaziguamento e da oferta de um braço amigo àqueles que se preparam para os derrubar.

Menos de três anos depois do regicídio um grupo de 400 carbonários sai para as ruas de Lisboa para proclamar a República. São tão poucos que em 24 horas o que sobra deles está entrincheirado na Rotunda. Mas o mais espantoso é que o Governo e as principais chefias militares não têm sequer a habilidade para coordenar as forças que poderiam terminar com o que resta da tentativa de revolução. Em lugar disso, o Governo sugere ao Rei a fuga. O Governo desfalece, o Rei foge, o regime cai.

Nos quase 16 anos seguintes viver-se-á em Portugal um constante PREC: rebentamento de bombas, presos políticos, golpes de Estado sangrentos, tentativas de golpe de Estado, restrição da liberdade religiosa da maioria da população, jornais assaltados, edições suspensas, detenções ilegais executadas pelos carbonários à solta, sovas públicas ministradas pelos mesmos carbonários à solta, farsas eleitorais, fortunas rápidas e filhas da política, emigração massiva e com níveis nunca antes alcançados, assassinatos políticos, carne para canhão nas trincheiras de França, desfalques, ostracização dos não apaniguados, 50 governos e 8 presidentes da República. O naufrágio da magia republicana e seus magos acabará numa ditadura militar.

Tivesse a obra de D.Carlos vingado e Portugal teria sido poupado a 16 anos de caos social e político trazidos pela I República. Da I República resulta a II República, uma branda ditadura conservadora que inicialmente recompõe o país mas que se desentende com a história após a II Guerra Mundial. Da II República resultaram os anos iniciais do PREC e os subsequentes anos de bipartidarismo clientelar desta III República. O Portugal que podia ter acompanhado a modernidade a par da Grã-Bretanha, acaba por tropeçar nas convulsões e intolerâncias vividas na primeira metade do século 20 na Europa central e do sul.


Os documentos do processo de judicial de investigação do regicídio estavam no Ministério da Justiça em 5 de outubro de 1910. Afonso Costa foi Ministro da Justiça logo após a instauração da República. Depois disso nada mais se soube desses documentos tendo sido considerados extraviados.

O assassinato do Rei D.Carlos nunca foi julgado.

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